A possibilidade de revisão de alimentos durante a pandemia

Desde o início da chegada da COVID-19, o Direito de Família e Sucessões tem ganhando bastante notoriedade com as questões que envolvem: a regulamentação de visitas, o divórcio, a abertura de inventário, a realização de testamentos, a violência doméstica e, principalmente, a continuidade (ou não) da prestação de alimentos.

Nestes casos, os Tribunais, em todo o país, têm sido maciçamente demandados por ações e pedidos revisionais de alimentos que, nem sempre, possuem fundamento fático e de direito relevantes para tal e, até mesmo, têm sido formulados em desacordo com o seu procedimento especial.

Por este motivo, tentaremos, de forma clara, simples e resumida, realizar algumas explicações sobre o pedido de revisão de pensão alimentícia, destacando os seus requisitos autorizadores, o seu correto procedimento e, ainda, corrigindo os erros mais comuns que estão sendo cometidos pelas partes envolvidas e pelos profissionais de direito, durante este período pandêmico.

Pouco tempo após o início da pandemia, muitos devedores de alimentos correram ao judiciário, formulando pedido de revisão de pensão alimentícia, sob o fundamento de que haviam sofrido alteração da sua capacidade financeira, apresentando como único elemento fático da alegação a própria Pandemia e/ou as notícias do seu impacto sobre a economia mundial, com consequentes reflexos na sociedade.

Contudo, a pandemia e os seus impactos na economia mundial, de forma genérica, por si só, não podem servir como pretexto para uma pretensão de redução ou exoneração dos alimentos devidos.
Queiram notar que, a legislação atinente à pensão alimentícia, apesar de regulamentar a possibilidade de revisão dos alimentos através dos art. 1.699 do Código Civil, arts. 13, §1º, e 15 da Lei 5.478/1968 e art. 505, inciso I, do CPC/2015, estabelece um requisito primordial para que ela ocorra, qual seja: a modificação do status financeiro de alimentando e alimentado.

Contudo, ainda que este requisito seja cumprido, o binômio da necessidade x possibilidade, consagrado no art. 1.694, §1º, do Código Civil, deverá ser, também, observado. Neste particular, cabe destacar a existência do posicionamento doutrinário e de jurisprudência que consideram haver, em verdade, um trinômio: necessidade x capacidade x proporcionalidade.
Independentemente da alteração da situação econômico-financeira ter sido de melhora ou piora das partes envolvidas, em ambos os casos, há a possibilidade de se ingressar com a ação revisional de alimentos, seja para minorá-la, seja para majorá-la.

Esta questão merece destaque, tendo em vista que, durante a pandemia, apesar de muitos setores da economia terem sido frontalmente prejudicados, outros aumentaram a sua demanda e, consequentemente, a sua arrecadação, como é o caso de setores de delivery, farmacêutico, limpeza, médico e etc.

As mudanças causadas pela pandemia não ficam adstritas à condição financeira das partes, mas, também, à mudança dos seus hábitos, o que impacta diretamente em suas finanças. Por exemplo, durante este período, muitas visitas foram suspensas, o que acaba atribuindo uma carga financeira maior ao genitor que detém a guarda física do menor. Não somente: com a suspensão das aulas, gastos ordinários com alimentação, água, luz, internet, serviços de streaming, etc, possivelmente, sofreram certa majoração. Some-se a isso a ampliação do tempo destinado ao menor e que é suportado exclusivamente pelo genitor detentor da guarda.

Ao revés, outros gastos ordinários podem ter sido reduzidos, como: combustível, alimentação fora de casa, lazer, atividade física em academias particulares, entre outras.

Sendo assim, conclui-se que o fundamento das ações revisionais de alimentos, durante o período de pandemia, não pode ser a própria pandemia em si, ou o seu impacto genérico na economia mundial, mas sim a alteração direta nas finanças de uma das partes envolvidas, e que ocasione uma alteração no binômio necessidade x capacidade, fundamental para a fixação de alimentos e alimentos provisórios. Caso contrário, não há motivos para alterar-se os alimentos anteriormente fixados.

Outra situação comum que vem sendo enfrentada pelos Tribunais, decorre dos motivos mencionados no tópico anterior, mas, também, por ausência de familiaridade de alguns profissionais do direito, mais especificamente, dos advogados, com as peculiaridades atinentes à ação revisional de alimentos e ao procedimento próprio das ações de alimentos.

As notícias dos impactos econômicos causados pela COVID-19 levaram muitos devedores a formular pedidos de revisional de alimentos nos próprios autos da ação de alimentos e, até mesmo, através de petição justificando a ausência do pagamento, com fundamento genérico nos impactos financeiros ocasionados pela Pandemia.

É de extrema importância conscientizar os devedores e operadores do direito (advogados, defensores públicos, promotores e juízes) que, a despeito da pandemia ter causado alteração direta na capacidade financeira de muitos devedores de alimentos, deve ser mantido o respeito ao procedimento especial das ações de alimentos.
Notem que a regra insculpida no art. 693, parágrafo único, do CPC/2015 já alerta sobre a especialidade dos procedimentos que se referem às ações de alimentos e demais ações acessórias.

Pedidos revisionais e justificativas de inadimplemento momentâneo não devem ser feitos diretamente nos autos da ação de alimentos. Neste sentido, o art. 13, §1º, da Lei 5.478/1968, ainda que trate dos alimentos provisórios, é claro ao afirmar que as ações acessórias à ação de alimentos, como é o caso da revisional, devem ser feitas em autos apartados.
Ainda que haja na jurisprudência certa dúvida sobre o juízo competente para o trâmite da ação revisional de alimentos, essa dúvida se adstringe, apenas, às regras de prevenção, ou seja, se devem ser distribuídas ao juízo prevento (mesmo Juízo que já apreciou a ação de alimentos originária) ou, se poderiam ser distribuídas de forma autônoma.
Portanto, o que se pode concluir é que, a despeito do interessado possuir os requisitos legais necessários para pleitear a revisão dos alimentos fixados, tal pedido não poderá ser feito diretamente nos autos em que tramitou ou ainda tramita a ação de alimentos. Neste caso, o rito especial da ação de alimentos deve ser mantida e por este motivo, as ações revisionais devem ser distribuídas em autos apartados e por dependência aos autos principais e originários (como forma de evitar decisões contraditórias e manter a segurança jurídica das decisões), sob pena de incorrer em mora e arcar com as consequências legais do seu inadimplemento.

Sendo assim, apesar das alterações econômico-financeiras causadas pela pandemia e das suas implicações diretas nas relações familiares e alimentares, não podemos perder de vista que esta mudança no status econômico das partes não poderá servir como justificativa para que haja uma exoneração indiscriminada das prestações alimentícias, devendo cada caso concreto ser avaliado em seu contexto particular, observando-se, ou não, a necessidade ou cabimento das alterações requerida